A televisão brasileira não nasceu apenas de câmeras e antenas, mas da visão de homens que sonharam em falar com o país inteiro através da tela. Alguns desses pioneiros viveram quase um século, outros partiram cedo demais. Suas mortes, no entanto, não apagaram a força de seus projetos; eles deixaram legados que moldaram a forma como o Brasil se vê e se comunica.
O que hoje chamamos de “fábrica de sonhos” chegou com desconfiança, muitos acreditavam que iria enterrar o rádio. Levou cerca de 20 anos para se popularizar, mas se enraizou de tal forma que hoje está presente em praticamente todos os lares brasileiros. Desde 1950, emissoras de alcance nacional surgiram, e seus idealizadores transmitiam ao público aquilo que acreditavam ser necessário.
Atualmente, muitas dessas redes já estão em sua segunda ou terceira geração de comando. Mas como foi a partida de cada um desses fundadores? Vamos, a seguir, destrinchar a história por trás da morte de cada um desses visionários.
📺 O magnata que abriu caminho – Assis Chateaubriand (TV Tupi)

Em 1950, o Brasil assistiu à estreia da TV Tupi, a primeira emissora da América Latina. O responsável por essa revolução foi Assis Chateaubriand, um dos maiores magnatas das comunicações do país. Conhecido por seu gênio visionário e, ao mesmo tempo, por seu temperamento explosivo, Chateaubriand foi o principal motor por trás dos Diários Associados, um império que incluía jornais, rádios e, finalmente, a televisão. Ele não apenas trouxe a TV para o Brasil; ele a fez acontecer quase de forma artesanal, importando equipamentos , como se estivesse transportando um tesouro nacional.
Um derrame em 1960 o deixou hemiplégico, tirando-lhe a capacidade de falar e escrever. Mesmo debilitado, ele continuou a tentar controlar seu império, comunicando-se através de sons e gestos, em uma luta inglória contra a doença. Sua morte, em 1968, aos 75 anos, deixou um vácuo de poder na organização. Sem a liderança centralizadora de seu fundador, os Diários Associados e, em especial, a TV Tupi, entraram em um lento declínio. A falta de investimento e a má gestão levaram a emissora, pioneira da televisão brasileira, a sair do ar em 1980.
A história da Tupi, portanto, é a história de seu criador. Começou com a audácia de um visionário e terminou com a perda de seu principal mentor.
👉 Curiosidade: a Tupi estreou com o famoso programa “TV na Taba”. A emissora foi pioneira em novelas diárias e moldou a teledramaturgia nacional.

📺 O sonho ousado da Excelsior – Mário Wallace Simonsen

A TV Excelsior surgiu em 1960 e, em seu curto período no ar, revolucionou a televisão brasileira. Seu dono, Mário Wallace Simonsen, era um empresário visionário que não tinha medo de arriscar. Ele foi o responsável por inovações que moldaram a TV como a conhecemos hoje. Dessa forma investiu em novelas com produção cinematográfica e programas de auditório grandiosos, com cenários elaborados e shows musicais ao vivo. A Excelsior era sinônimo de modernidade e ousadia.
No entanto, o sonho de Simonsen foi interrompido tragicamente. Ele morreu cedo, em 1965, com apenas 52 anos, devido a complicações de saúde. Sua partida foi um golpe fatal para a emissora. Sem o pulso firme e o capital de seu fundador, a Excelsior entrou em uma crise financeira e política. Ela foi alvo do regime militar da época, que a via como uma ameaça. A emissora foi cassada e saiu do ar em 1970, deixando um vazio no cenário televisivo e a sensação de que um dos maiores legados da TV brasileira foi brutalmente interrompido.
A história da Excelsior é a prova de que um único homem, com a visão certa, pode mudar um meio de comunicação, mas também mostra a fragilidade de um império construído sobre a força de uma só pessoa.
👉 Curiosidade: A Excelsior foi pioneira em muitos aspectos. Ela foi a primeira emissora a transmitir em rede nacional via satélite, demonstrando seu espírito inovador. Programas icônicos como “Família Trapo”, com Ronald Golias, Jô Soares e Otelo Zeloni, e a novela “A Moça que Veio de Longe”, foram alguns dos marcos que a tornaram inesquecível para o público da época.

📺 O império de Roberto Marinho – Globo

Fundada em 1965, a Rede Globo se tornaria a maior e mais influente emissora do país sob o comando de Roberto Marinho. Visionário e com um pulso de ferro, ele não apenas construiu um império; ele o moldou à sua imagem, com um modelo de negócios verticalizado e um padrão de qualidade que se tornou a assinatura da emissora. Marinho supervisionou pessoalmente cada detalhe, desde o conteúdo das novelas até a cobertura jornalística, transformando a Globo em um sinônimo da própria televisão brasileira.
Sua morte, em 2003, aos 98 anos, vítima de uma parada cardíaca, marcou o fim de uma era. A notícia parou o país. Afinal, a figura de Roberto Marinho se confundia com a própria história recente do Brasil. Com sua partida, o controle da emissora passou para seus três filhos, Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto Marinho. A transição, embora planejada por anos, foi um desafio. Era a primeira vez que a Globo precisava funcionar sem a presença de seu fundador. A nova gestão, em um processo gradual, buscou modernizar a empresa, mantendo o legado de seu pai, mas adaptando-o a um novo cenário de comunicação.
O caso da Globo mostra que, mesmo em um império bem-sucedido, a ausência do líder máximo deixa uma lacuna que precisa ser preenchida não apenas com gestão, mas com a continuidade de uma visão.
👉 Curiosidade: A Globo revolucionou a dramaturgia com novelas icônicas como “Irmãos Coragem” e “Roque Santeiro”, que foram sucessos de audiência e crítica. Além disso, a emissora criou o “Jornal Nacional”, o primeiro telejornal em rede nacional, que se tornou uma das maiores referências do jornalismo brasileiro.

📺 O eterno homem do Baú – Silvio Santos (SBT)

Fundador do SBT em 1981, Silvio Santos foi o único dos grandes pioneiros que permaneceu em atividade por décadas, personificando a figura do “dono da TV”. Sua morte, em 2024, aos 93 anos, em função de broncopneumonia após infecção por influenza. Isso representou o ponto final de uma era de ouro da televisão popular. Mais do que um empresário, ele era um ícone, um apresentador que se misturava com o público e que se tornou um símbolo de carisma e inovação.
Silvio criou quadros que viraram clássicos e se tornaram parte da cultura brasileira, como a “Porta da Esperança”, o “Show de Calouros” e os bordões que o imortalizaram. Sua partida encerrou um ciclo, deixando a emissora sob o comando de sua família e a responsabilidade de continuar o legado de uma rede construída em torno da figura do seu fundador, um verdadeiro artista que transformou o próprio auditório em um espetáculo.
👉 Curiosidade: O “Topa Tudo por Dinheiro” foi um dos programas de maior audiência nos anos 90, consolidando o SBT como o “canal da família” e mostrando a fórmula de sucesso de Silvio: a mistura de entretenimento, sorteios e a participação ativa do público.

📺 Record: do rádio à fé

Fundada em 1953, a TV Record teve sua primeira fase de ouro sob a batuta de Paulo Machado de Carvalho, um empresário visionário do rádio que levou seu sucesso para a televisão. Nos anos 1960, a Record se consagrou como a “emissora da música”, com programas de auditório e, principalmente, os históricos Festivais da Canção. Neles, nomes como Elis Regina e Chico Buarque ganharam o estrelato, transformando a emissora em um palco cultural e um ponto de referência para a música popular brasileira.
A morte de Paulo Machado de Carvalho, em 1992, aos 90 anos, marcou o fim de uma era. Um dos sócios, Edmac Trabulsi, já havia falecido em 1988. Com o passar do tempo e o aumento da dívida, a família Machado de Carvalho perdeu o controle da emissora, que entrou em um período de crise.
A virada definitiva aconteceu em 1989, quando a Record foi adquirida por Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus. A mudança de comando significou uma transformação radical na identidade da emissora, que trocou os musicais e a teledramaturgia por uma programação com forte cunho religioso e jornalístico, dando início a uma nova fase da sua história, totalmente diferente daquela idealizada por seu fundador.
👉 Curiosidade: Nos anos 1960, a Record era chamada de “a emissora da música” por transmitir os históricos Festivais da Canção. Além de revelar grandes nomes, esses festivais se tornaram palco de disputas e momentos marcantes na história da cultura brasileira.

📺 A família Saad e a Band

A Rede Bandeirantes, inaugurada em 1967, consolidou-se como uma das maiores potências do jornalismo e do esporte no Brasil sob o pulso firme de João Jorge Saad. Conhecido por sua gestão centralizadora e sua paixão por televisão. Saad foi o grande responsável por posicionar a Band como uma alternativa à programação das grandes redes. Ele investiu pesado em jornalismo sério e em transmissões esportivas de alto nível, criando um DNA único para a emissora.
Sua morte, em 1999, aos 80 anos, deixou um vácuo de liderança. O comando da rede passou para seu filho, Johnny Saad. Dessa forma ele herdou a responsabilidade de continuar o legado do pai em um cenário midiático cada vez mais competitivo. A transição marcou o fim de uma era de comando solitário e o início de uma gestão que buscava modernizar a emissora. Dessa forma mantendo a tradição de ser uma voz crítica no jornalismo e uma referência no esporte.
A história da Band é a prova de que uma emissora pode se destacar por sua identidade, e que essa identidade, muitas vezes, é o reflexo direto da visão de seu fundador.
👉 Curiosidade: A Band ganhou fama como “o canal do esporte” com transmissões históricas de Fórmula 1, futebol e vôlei. Mas sua ousadia foi além: a emissora também foi a primeira a transmitir em cores no Brasil, em 1972, durante a Festa da Uva em Caxias do Sul (RS), antecipando-se ao resto do país e demonstrando seu pioneirismo tecnológico.

📺 Manchete: o brilho e a queda

Criada em 1983 por Adolpho Bloch, a TV Manchete se tornou, em pouco tempo, sinônimo de qualidade, ousadia e inovação. Bloch, um visionário do setor de revistas e um grande apreciador de arte, trouxe para a televisão um padrão estético diferenciado. Sua emissora investiu em novelas com produção cinematográfica e em um jornalismo com reportagens mais aprofundadas, que se tornou uma alternativa sofisticada ao que existia na época.
A morte de Bloch, em 1995, devido a um infarto, foi um golpe fatal. Sem a liderança centralizadora e o capital de seu fundador, a emissora entrou em um período de crise financeira e de má gestão. A Manchete, que já vinha enfrentando dificuldades, perdeu o norte e a capacidade de se reinventar. A ausência do seu principal investidor e mentor acelerou o declínio, levando-a a encerrar suas atividades em 1999, deixando a sensação de que um dos projetos mais criativos da televisão brasileira não resistiu à ausência de seu criador.
A história da Manchete é um lembrete de que, por trás de grandes projetos, há a força e a visão de um único homem.
👉 Curiosidade: A Manchete é lembrada até hoje por suas produções de alta qualidade. Novelas como “Pantanal” (1990) e “Dona Beija” (1986) foram sucessos estrondosos de audiência, que até hoje são lembradas e regravadas. A emissora também se destacou nas transmissões dos famosos carnavais do Rio de Janeiro, com uma estética inovadora que mudou para sempre a forma como o evento era televisionado.

📺 CNT: o dono que partiu cedo demais
A Central Nacional de Televisão (CNT) foi criada em 1979 pelas mãos de José Carlos Martinez, um empresário e político paranaense. Jovem e ambicioso, ele construiu a emissora com uma visão de expansão e parcerias, buscando um espaço no competitivo mercado da televisão brasileira. Diferente dos grandes magnatas que fundaram as outras redes, a liderança de Martinez foi abruptamente interrompida.
Em 2003, ele morreu tragicamente aos 55 anos, em um acidente aéreo. Sua morte precoce deixou a emissora em um momento de incerteza, forçando uma reestruturação de comando. A CNT, que vinha investindo em produções próprias, precisou se reinventar, buscando novas estratégias para sobreviver sem o seu principal mentor. A perda de Martinez é um dos casos mais tristes da história da televisão brasileira, simbolizando um potencial que não pôde ser plenamente realizado.
👉 Curiosidade: A CNT foi a primeira rede de TV com sede fora do eixo Rio-São Paulo, operando a partir de Curitiba. A emissora tinha uma parceria com a TV Gazeta, e juntas alcançaram um sucesso considerável para a sua estrutura. Um dos maiores destaques da sua programação, além do programa “Festa do Malandro”, que chegou a liderar a audiência em pleno sábado à noite, foi o jogo interativo “O Duende Hugo”. A popularidade do game era tamanha que as linhas telefônicas ficavam frequentemente congestionadas, a ponto de os apresentadores pedirem uma pausa nas ligações, pois a central não estava dando conta de tantos telefonemas.

🎞️ Memória viva
Os donos da televisão deixaram mais do que empresas: deixaram histórias que atravessaram gerações. Suas mortes marcaram momentos de transição, mas seus projetos seguem presentes no imaginário coletivo. Afinal, quem nunca passou uma tarde grudado na tela da Globo, vibrou com os auditórios do SBT, cantou nos festivais da Record ou se emocionou com as novelas da Manchete?
Mesmo depois da partida de seus fundadores, a TV brasileira segue sendo uma herança viva — uma narrativa coletiva que continua a ser escrita a cada novo programa, a cada nova geração de telespectadores.
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